Crítica: Elis e Tom – só tinha de ser com você

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Direção: Roberto de Oliveira e Jom Tob Azulay

As respectivas carreiras de Tom Jobim e Elis Regina estavam em situações distintas. No final dos anos 60, devido ao sucesso da bossa nova, o maestro gozava de prestígio no exterior e era requisitado por grandes nomes da música americana (incluindo a famosa parceria com Frank Sinatra); no entanto, o reconhecimento no Brasil não era o mesmo, por cair, talvez, no estigma de americanizado – algo parecido com o ocorrido com Carmem Miranda décadas antes.

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Por outro lado, a inquieta pimentinha (apelido de Elis) crescia na Europa, mas ainda não tinha alcançado toda a potência e alcance artístico no exterior em que foi comparada, por exemplo, a Ella Fitzgerald. Esse medo era explicado pelo receio de perder o controle da carreira. Inclusive, Elis foi obrigada por empresários a participar de abertura de Olimpíadas do Exército; numa época em que o Brasil estava no auge da nefasta ditadura militar, sendo ela de esquerda.

Assim, surgiu a ideia da realização de um disco juntando os dois ícones.

Nesse momento, o documentário Elis & Tom, só tinha de ser com você apresenta os bastidores desse encontro antes visto como improvável, realizado em 1974 nos estúdios da MGM em Los Angeles. Se Tom Jobim era a personificação da beleza musical clássica através da sutileza e genialidade, Elis era igualmente a própria personificação da potência e explosão – e desprezava igualmente a bossa nova que, segundo a cantora, era feita para quem não sabia cantar.

Esse conflito de ideias, obviamente, era um problema para os dois. Até porque o projeto era inicialmente pensado para Elis contando com a participação do primeiro, algo que aos poucos foi se equilibrando entres sorrisos, troca de olhares em meio a fumaça dos cigarros e ambiente familiar.

Dirigido por Roberto de Oliveira em parceria com Jom Tob Azulay, o documentário funciona mesmo como um registro de dois dos maiores nomes da música e os depoimentos de nomes influentes do ramo musical moldando esses bastidores e o relacionamento dos artistas com os influentes produtores musicais Andre Midani, João Marcelo Bôscoli (filho de Elis com João Bôscoli), Elizabeth Jobim (filha de Tom), César Camargo Mariano (músico e na época marido de Elis), o onipresente Nelson Mota, Humberto Gatica (vencedor de mais de 10 Grammy e colaborador de nada mais que Quincy Jones e Michael Jackson) e Wayne Shorter (lenda do Jazz que presenciou o conturbado relacionamento de Elis com Bôscoli). Além, claro, de outros grandes músicos brasileiros que participaram do projeto como Hélio Delmiro, Paulo Braga e Luizão Maia.

Usando imagens de arquivos (algumas inéditas durante décadas), é brilhante ver como Tom e Elis vão se adaptando um ao outro diante da câmera 16 mm do diretor, culminando num dos maiores álbuns já feitos na música brasileira. Todo o profissionalismo e a qualidade daqueles profissionais são tamanhos que qualquer tentativa da direção de trazer conflitos para gerar um peso na narrativa soa superficial a cada audição de clássico como “Soneto da Separação”, “Modinha” e, claro, aquela que considero – junto com “O que será” e “Construção” de Chico Buarque – a mais importante música popular Brasileira: “Águas de Março”.

Mas os conflitos existiram.

Como mencionei anteriormente, o perfil dos artistas era diferente e Tom Jobim era naturalmente influente com qualquer nota, partitura e som que outros músicos (que o viam como um Deus) emitiam, como visto num momento em que o então jovem Cesar Camargo Mariano descreve o comportamento do maestro e como ele debochava dessa nova geração musical.

Durante o documentário fiquei com a sensação de um desequilíbrio temático e até desconhecimento histórico com os artistas. E caso esteja complemente enganado, eu admitirei. Mas, como disse, foi uma sensação.

Por que digo isso?

O documentário claramente tem como protagonista a figura de Elis. Intencional ou não, seria como se tentasse corrigir o fato de que o disco seria da cantora com a participação de Jobim e não o inverso; tanto que o filme mostra um arco dramático da cantora ao mostrar seu falecimento em 1982 (numa boa decisão da montagem, em não jogar isso pra o final do filme) e não mencionar o mesmo de Tom Jobim em 1994.

Por que isso? Essa é a questão.

Ao fazer isso, inclusive, o filme acaba cometendo um equivoco ao ressurgir desnecessariamente com a polêmica de que morte da cantora esteja liga diretamente a uma “escolha” dela; um absurdo (confirmado pelo próprio Marcelo Bôscoli), estando ela no auge da carreira e com três filhos pequenos.¹

Mas como toda boa arte, ela é eterna. Quase 50 anos depois, o álbum Elis & Tom soa perfeito, sem uma nota fora do lugar, um epopeia de dois dos mais brilhantes nomes da música brasileira. Não vou entrar em comparação sobre o que se ouve hoje em dia. Numa época de tudo pasteurizado e insípido, produzido para ser descartável, o documentário é um alívio de como artisticamente falando éramos a promessa de vida no nosso coração.

 


¹NdE: Oficialmente, Elis faleceu de overdose, com amigos íntimos atestando a festa da noite anterior regada a álcool e drogas. Mas existe a teoria relacionada com a ditadura militar, dada sua militância contra os governos da época e as críticas fortes incluídas em suas composições.

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Rodrigo Rodrigues

Eu gosto de Cinema e todas suas vertentes! Mas não aceito que tentem rescrever a historia ou acharem que cinema começou nos anos 2000. De resto ainda tentando descobrir o que estou fazendo aqui!

3 thoughts on “Crítica: Elis e Tom – só tinha de ser com você

    1. Bruno
      Bem vindo
      Espero que o filme alcance o máximo de pessoas possíveis.
      Abraço

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