“Brazilian Storm” dos BGs… será?!?!
Em 1982 surgia nos EUA a MTV, o primeiro canal de música voltado para o público jovem. Depois disso, a produção de um videoclipe era obrigatória para qualquer artista ou banda, que tivesse a pretensão de transformar seu hit em um sucesso. Um ano depois disso, em 1983, estreava no Rio de Janeiro um programa independente e pioneiro, também voltado ao público jovem, o lendário Realce.
Diferentemente da MTV, o Realce era focado nos esportes radicais (surfe principalmente, além de skate e voo Livre), além é claro de música e comportamento. Ele foi uma criação de Antônio Ricardo e Ricardo Bocão, como a versão televisiva da revista independente de surfe homônima, também dos dois. A apresentação ficava por conta da dupla, juntamente com a modelo Patrícia Barros.
O lançamento do Realce coincidiu com o surgimento do movimento Rock Brasil, e ele foi o palco de estreia na TV de diversas bandas lendárias. Nomes como Paralamas do Sucesso, Legião Urbana e Kid Abelha, apareceram no vídeo pela primeira vez no Realce, comprovando seu pioneirismo também na música jovem. O programa foi exibido de 1983 a 1990, no Rio de Janeiro pela Record Rio (antes da fase evangélica), e em São Paulo pela TV Gazeta.
Imagem Google: Ricardo Bocão apresentando o Realce
Nos anos 80, época do Realce, era impensável, ou pelo menos um sonho muito distante, que um brasileiro fosse campeão mundial de surfe, algum dia. Porém, aproximadamente trinta anos depois, em 2014, Gabriel Medina conseguiu o feito, e abriu caminho para outros surfistas “brazucas”.
Além de Medina também se sagraram campeões Adriano de Souza, Ítalo Ferreira e Filipe Toledo, e também somos o primeiro país campeão olímpico da modalidade. Para representar essa nova geração do surfe nacional, que tomou de assalto o esporte, o jornalista australiano cunhou a expressão Brazilian Storm, em 2011.
Traçando um paralelo com o cenário do board game nacional, já temos uma década de mercado doméstico, considerando os primeiros lançamentos de peso de 2013/2014. Todavia, diferentemente do surfe, os board games brasileiros, desde o início sempre despertaram a atenção e cobiça dos principais agentes do mercado internacional. Isso aparentemente é contraditório, só que nem tanto, porque o cenário boardgamer brasileiro é diminuto, mas os jogos são bons e tem grande potencial. Basta lembrar os excelentes “Jogo da Fronteira” (2006) e “Masmorra de Dados” (2014), que se transformaram em “Masmorra: Dungeons of Arcadia” e “Sheriff of Nottingham”.
Alguns anos mais tarde, em 2020, pela primeira vez, o Cartógrafos, um jogo nacional, chegou à final do prestigiadíssimo Spiel des Jahres. E mesmo perdendo para o The Crew, esse ainda assim é um feito memorável. Pouco depois, em 2023, o World Wonders, outro jogo nacional, foi a sensação da GENCON conquistando corações e mentes, inclusive de Tom Vasel (Dice Tower).
Imagem Ludopedia: Gabriel Medina, Adriano de Souza, Ítalo Ferreira e Filipe Toledo
O lançamento pela Arcane Wonders tornou o World Wonders um sucesso e isso sem dúvida abrirá mais portas para outros jogos tupiniquins. Pelo menos é isso que se espera, e há motivo para crer nisso. Recentemente, a Arcane Wonders anunciou a intenção de também lançar mundialmente o “O Bom do Videogame” e o “Marvel Comic Hunters”. Esses são dois outros ótimos jogos nacionais, respectivamente dos designers André Negrão e Patrick Matheus e de Roberto Coelho.
Essas notícias são excelentes e mostram sem sombra de dúvidas que brasileiro também sabe fazer board game bom. Estão aí para comprovar, excelentes designers, com anos de estrada, como Sérgio Halaban, Marcos Macri, Leandro Pires, Igo Knop, Fel Barros e a nova geração. Porém, é preciso ter os pés no chão, afinal como cantava Milton “longe se vai sonhando demais, mas onde se chega assim?”. Demorou trinta anos entre a época do programa Realce e a conquista do campeonato mundial de surfe por um brasileiro. E isso sem considerar que o surfe chegou ao Brasil aproximadamente no final da década de 1930, elevando esse intervalo para quase um século.
Além disso, é preciso considerar que talvez o cenário internacional de board games, seja muito mais competitivo do que o do surfe profissional. E mais ainda, diferentemente do surfe que possui um órgão máximo único, a Internacional Surf Association (ISA), os board games não contam com algo assim. E isso nem faria sentido, porque sendo o surfe um esporte, evidentemente deve haver uma regulação, o que devido à natureza dos jogos é inaplicável.
Imagem Ludopedia: O Bom do Videogame e Marvel Comic Hunters
Mesmo havendo campeonatos mundiais de jogos como Catan, Carcassonne e Magic, eles são realizados pelas editoras e não por um órgão independente de nível mundial. Além do que eles são voltados para os jogadores de jogos específicos, e não para os jogos em si. Desse modo, Catan não compete com Carcassonne, ou com Magic a cada ano para ver qual foi o melhor jogo da temporada.
Na verdade, o que existe para os board games são as chamadas premiações internacionais, que consagram seus vencedores e até mesmo os indicados. Dentre estas se destacam o Spiel des Jahres (maior de todas), As d’Or, Golden Geek, Deutscher Spiele, Origins, Gra Roku, Dice Towers Awards, entre outras. E apesar do Spiel des Jahres ser sem dúvida o prêmio de maior prestígio dos board games, não dá para dizer que o seu vencedor é o campeão mundial da categoria.
Mas mesmo assim, na falta de algo mais adequado, e em uma analogia para lá de canhestra e capenga, talvez dê para considerar vencer o Spiel des Jahres como se sagrar campeão mundial de board games. Nesse sentido, o Brasil já bateu na trave com o Cartógrafos, e é pouco provável que demore tantas décadas para termos finalmente um board game brasileiro “campeão mundial”, como ocorreu com o surf. Apesar da ótima notícia em relação ao “Bom do Videogame” e “Comic Hunters”, evidentemente ainda é muito cedo para fazer qualquer prognóstico nesse sentido.
Imagem Ludopedia: Cartógrafos
Uma onda de sucessos internacionais seria fundamental tanto para impulsionar a produção nacional de jogos de tabuleiro, quanto para quem sabe desenvolver o mercado doméstico. Vencer o Spiel des Jahres, ou em qualquer outro grande prêmio de prestígio, provavelmente atrairia a atenção do grande público e da mídia em geral.
Essa divulgação talvez atraísse a atenção de pessoas de fora do hobby, e mesmo que apenas uma pequena parcela ingressasse realmente, já seria muita coisa. Com isso talvez a demanda crescesse o que levaria a um aumento das tiragens, e consequentemente uma redução dos preços médios, e por aí vai. Possivelmente outras empresas surgiriam no setor e a produção nacional de jogos se profissionalizaria mais, com mais gente vivendo de board games. Isso talvez levasse a um desenvolvimento e fortalecimento do cenário nacional de jogos de tabuleiro que é o desejo de toda a comunidade boardgamer brasileira.
Como se pode ver são muitos “se”, “talvez” e “provavelmente”, envolvidos. Além do fato de que um jogo vencer o Spiel des Jahres não é, em absoluto, uma garantia de crescimento do mercado nacional de jogos. Nem tampouco, não é porque um ou dois jogos tiveram sucesso internacional que diversos outros jogos “made in Brazil” terão o mesmo desempenho, criando uma Brazilian Storm que tome de assalto o cenário mundial de jogos. Mas não dá para ignorar que uma conquista dessas já seria um empurrãozinho considerável.
Quem viver verá!
Um forte abraço e boas jogatinas!
Iuri Buscácio
Iuri Buscácio
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no caso do World Wonders, apesar de brasileiro, o jogo é pra todos os fins gringo, pq foi produzido la fora, lançado la fora com nome ingles, e tem reputação não brasileira, uma pena
Caro Ritieli
Infelizmente é uma pena mesmo. Isso me lembra caso do Masmorra Dungeons of Arcadia, e o Sheriff of Nottingham, que são originalmente os brasileiríssimos Masmorra de Dados e O Jogo da Fronteira. Enquanto era jogos brasileiros”, não tinham a menor chance de vender no exterior. Bastou a CMON comprar os direitos do Masmorra e enfiar algumas miniaturas, que num passe de mágica, o mesmo jogo passou a ser um fenômeno de vendas. O mesmo ocorreu com a Arcane Wonders (mesma editroa gringa do World Wonders), em relação ao Jogo da Fronteira.
Isso para não falar no badalado Quartz, que era originalmente o Ouro de Tolo do grande Sérgio Halaban, mas que teve receber um “banho de loja gringa” para poder fazer sucesso.
É como dizia Jorge Aragão, em “Coisa de Pele”: “nem tudo que é bom vem de fora…”
Um forte abraço e boas jogatinas!
Iuri Buscácio