14ª Dica p/ Novos Jogadores – Conheça as Mecânicas Clássicas
Esse texto 14ª Dica p/ Novos Jogadores – Conheça as Mecânicas Clássicas é o décimo qautro de uma série de textos, contendo dicas para boardgamers, iniciantes ou não, no sentido de ajudar quem iniciou no hobby agora, e também propor um ponto de reflexão aos boardgamers mais experientes. Quem tiver o interesse de ler os textos anteriores, basta acessar os links abaixo:
1ª Dica P/ Novos Jogadores – Conheça Melhor o Hobby
2ª Dica P/ Novos Jogadores – Conheça os Tipos de Caixas
3ª Dica P/ Novos Jogadores – 7 Cuidados ao Iniciar nos BGs
https://maxiverso.com.br/blog/2022/12/27/3a-dica-p-novos-jogadores-7-cuidados-ao-iniciar-nos-bg/
4ª Dica p/ Novos Jogadores – Conheça a Arte/Design dos Jogos
https://maxiverso.com.br/blog/2023/01/06/4a-dica-p-novos-jogadores-conheca-a-arte-design-dos-jogos/
5ª Dica P/ Novos Jogadores – Conheça os Tipos de Peças
https://maxiverso.com.br/blog/2023/02/26/conheca-os-tipos-de-pecas/
6ª Dica p/ Novos Jogadores – Conheça os Tipos de Tabuleiro
https://maxiverso.com.br/blog/2023/03/10/conheca-os-tipos-de-tabuleiros/
7ª Dica p/ Novos Jogadores – Elementos Abstratos dos BGs – parte 1
https://maxiverso.com.br/blog/2023/04/18/elementos-abstratos-dos-jogos/
8ª Dica p/ Novos Jogadores – Elementos Abstratos dos BGs – parte 2
https://maxiverso.com.br/blog/2023/05/12/elementos-abstratos-dos-bgs-2/
9ª Dica p/ Novos Jogadores – Conheça os Tipos de Jogos
https://maxiverso.com.br/blog/2023/07/12/9a-dica-p-novos-jogadores-conheca-os-tipos-de-jogos/
10ª Dica p/ Novos Jogadores – Conheça Dungeon Crawlers e Coop
https://maxiverso.com.br/blog/2023/07/15/conheca-dungeon-crawlers-e-coop/
11ª Dica p/ Novos Jogadores – Conheça os Jogos CIV e 4x
https://maxiverso.com.br/blog/2023/07/21/11a-dica-p-novos-jogadores-conheca-os-jogos-civ-e-4x/
12ª Dica p/ Novos Jogadores – Conheça Wargames e Warhammer
12ª Dica p/ Novos Jogadores – Conheça os Wargames e Warhammer
13ª Dica p/ Novos Jogadores – Conheça os Jogos 18xx
Imagem Google: Jogos Representativos das Mecânicas Clássicas
Nesse décimo terceiro texto, e nos seguintes será abordado um assunto da mais alta importância, e que é comum a todos os jogos: as mecânicas. Esse é um assunto extenso e por isso ele será dividido em quatro textos da série. Esse primeiro abordará as mecânicas mais comuns dos chamados jogos clássicos, ou seja, anteriores à Era dos Jogos Modernos, iniciada em 1995, com o Catan. Os textos seguintes abordarão as mecânicas mais comuns dos demais board games modernos.
Antes de prosseguir é importante estabelecer o que exatamente significa a “mecânica de um jogo”. O problema é que esse assunto ainda é bastante polêmico, e sujeito a grande debate, principalmente entre aqueles que trabalham com design de jogos. A questão primordial é diferenciar entre aquilo que é regra e o que é mecânica. Todos sabem que um jogo, seja ele qual for, precisa de regras. São elas que definem como jogar, como não jogar e de que forma se pode ganhar ou perder a partida.
Portanto, o conceito de regra é tão antigo quanto o conceito de jogo propriamente dito. Expandindo o conceito de regra, ele é ainda mais antigo, se incluir a noção de código de conduta e validação das interações e estruturas sociais. A regra, ou a norma, é o que define e, principalmente permite que o homem viva em sociedade, e não existe sociedade sem regras.
Obviamente quanto mais simples a sociedade, mas primitivas serão suas regras. Até a primal “lei do mais forte”, ou “lei da selva” (eu mando e você obedece porque eu sou mais forte, e se você se tornar mais forte, você mandará e eu obedecerei). Essa pode ser uma regra injusta, mas apesar de sua “primitividade” e evidente injustiça intrínseca, ela não deixa de ser uma regra, por conta disso.
Imagem Ludopedia: The Checkered Game of Life (1960)
A noção de mecânica de jogo, apesar de muitíssimo mais recente que o ancestral conceito de regra, não é algo novo. Um exemplo disso é o jogo The Checkered Game of Life, de 1860, que exatamente um século depois (1960), deu origem ao Jogo da Vida. Posteriormente surgiu o Monopoly (Banco Imobiliário) em 1933, o Cluedo (Detetive) em 1947 o Risk (War) em 1959, entre outros. O mesmo se aplica ao jogos eletrônicos. Desde os primórdios, seus criadores já se preocupavam com a mecânica, até porque ela era uma parte fundamental do software desses jogos. A diferença é que no caso dos jogos eletrônicos tanto as regras, quanto a mecânica, eram elementos alheios aos jogadores.
Quando um jogador abria um jogo no computador, ou colocava um cartucho no console de videogame, a coisa era mais simples. Bastava saber quais botões apertar para realizar ações como, atirar, saltar, correr, mudar itens, recuperar energia, evidentemente como “não morrer”. Não passava pela cabeça do jogador quais eram os mecanismos que viabilizavam que toda a ação acontecesse.
Também não havia preocupação com regras, porque o jogo simplesmente não realizava permitia qualquer ação que violasse as regras, e ainda produzia um ruído característico. Para comprovar a criatividade do ser humano para coisas erradas, posteriormente surgiram os cheat codes, ou códigos de trapaça, mas isso é outra história. Até hoje, um dos argumentos a favor dos board games digitais é que eles são uma boa forma de aprender corretamente as regras de um jogo. Isso porque na versão digital simplesmente não é possível “jogar errado”. Por outro lado, nos jogos de tabuleiro, quem opera o jogo são os próprios jogadores. Portanto é fundamental que eles conheçam as regras de forma correta, bem como a mecânica, para que se possa fazer com que o jogo funcione.
Imagem Google: Sid Meier’s Civilization, jogo para PC
Mesmo que a noção de mecânica (em relação aos jogos eletrônicos) já existisse desde o final dos anos 70/80, essa ainda era uma noção muito vaga. Normalmente se confundia o conceito de mecância com o conceito de regras, que era mais claro, mais antigo e mais fácil de assimilar. Mesmo no início da Era dos Board Games Modernos, em meados dos anos 90, quando a ideia de mecânica começou a se tornar cada vez mais independente do conceito de regra, ainda assim, esse diferenciação ainda não estava completamente definida (ainda hoje não está, pelo menos não totalmente).
Só a partir de meados dos anos 2000, é que o conceito de mecânica passou a ser pensado como algo diferente da regra de um jogo. A mecância passou a ter uma presença mais marcante na literatura especializada de design de jogos. Entretanto, mesmo que atualmente já exista um consenso de que mecânica e regra sejam conceitos diferentes, essa ainda é uma área muito cinzenta e nebulosa.
Como se pode ver essa questão é muito complexa e profunda, fugindo completamente do escopo desse tópico. Assim sendo, para deixar a questão em termos leigos, e mais compreensíveis, basta dizer que, de um modo geral, as regras são normas que dizem o que pode, ou que não pode, ser feito em um jogo, enquanto que a mecânica são processos, ou uma sequência contínua de ações, através das quais o jogo se desenvolve, e as regras são implementadas. Além disso, as regras são mais concretas enquanto que a mecânica é mais abstrata.
Usando um exemplo simples, basta pensar nas regras do “Jogo da Velha”, jogado em uma grade quadrada de 3×3. Cada jogador marca ou “X” ou “0”, na sua vez. Aquele que conseguir completar primeiro um reta de três símbolos iguais, vence a partida.
Imagem Google: Jogo da Velha
Em relação à mecânica, o “Jogo da Velha” utiliza o controle de área, pelo qual cada jogador vai conquistando os espaços do tabuleiro, de acordo com sua estratégia até o fim da partida.
Assim sendo, apesar da regra ser objetiva, ocasionalmente sua interpretação inclui alguma subjetividade, porque essa análise é feita por seres humanos (naturalmente subjetivos). Isso ocorre, por exemplo, quando há dúvida, se aquela regra se aplica ou não, ou melhor dizendo, se ela foi observada ou violada. Quando o jogo e as regras são simples, essa análise é mais fácil, e vai ficando mais difícil, conforme a complexidade do jogo aumenta. No caso do “Jogo da Velha”, é mais fácil identificar se a regra foi observada ou não, quando por exemplo um jogador coloca um triângulo na grade ao invés do seu símbolo correspondente (“X” ou “O”), ou quando um jogador joga duas vezes seguidas.
Por outro lado, jogo mais complexos, como o futebol, por exemplo, são muito mais sujeitos a interpretação de regras. Uma dessas regras de futebol determina que um jogador não pode tocar a bola voluntariamente com seu braço. Essa regra é objetiva, mas é preciso interpretar subjetivamente se ela se efetivamente aplica à cada jogada específica. Esse é o caso de saber, se o jogador tocou a bola com o braço, ou se ela tocou seu ombro ou peito, por exemplo. Essa é uma questão que está aberta à interpretação do árbitro, ou seja, se a bola tocou ou não o braço do jogador. Mas não está sujeito à interpretação se o jogador pode ou não tocar a bola voluntariamente com o braço, porque objetivamente a regra proíbe isso.
Imagem Google: Mecânica ≠ Regra
A mecânica por outro lado é claramente subjetiva e se refere à forma genérica como o jogo se desenvolve. Isso ocorre através da conquista de espaços, no caso do “Jogo da Velha”, ou pela movimentação dos jogadores que vão conduzindo a bola com seus pés e corpos, menos com as mãos, passando-a para seus companheiros de time, com o objetivo de fazê-la ultrapassar o espaço delimitado pelas traves que forma o gol adversário.
Apesar de ser um elemento subjetivo, e funcionar de forma geral, isso não quer dizer que um jogo só possa utilizar uma única mecânica. Normalmente, um jogo utiliza mais de uma mecância, a menos que seja um jogo de um simplicidade quase absoluta, como o “Jogo da Velha”. Usando um exemplo muito conhecido, o WAR utiliza controle de área, rolagem de dados, coleção de componentes, bem como a gestão de mão.
O site BGG, a maior fonte de informações sobre board games da Internet, tem uma lista com 182 mecânicas listadas, até o momento. O problema é que talvez na ânsia de especificar todas as possibilidades que acontecem nos jogos, e assim apresentar uma lista maior, algumas mecânicas, apresentadas como únicas, têm tão pouca importância, que fica difícil colocar essas “pseudo-mecânicas” no mesmo pé de igualdade com mecânicas que são relevantes e realmente fazem diferença, para o desenvolvimento do jogo.
Imagem BGG:
Basta dizer que entre os tipos de mecânicas, estão listadas no BGG, “pedra, papel, e tesoura”, bem como “eu corto e você escolhe”. De modo algum, elementos como essas podem se comparar com aquelas realmente importantes como, “seleção de cartas”, “alocação de trabalhadores” ou “construção de baralho”. Em uma análise mais rigorosa essas simplificações nem deveriam estar na mesma lista.
Outra especificação desnecessária, e que em termos práticos só serve para aumentar a quantidade de itens da lista de mecânicas do BGG, são os vários tipos diferentes de uma mesma mecânica. Para facilitar seria melhor agrupar esses vários tipos específicos dentro de uma mesma mecânica geral e dentro dela serem explicadas as diversas formas como essa mecânica pode funcionar. É o caso da mecânica “leilão” que tem 10 variantes listadas como se fossem mecânicas únicas (lance fechado, lances abertos contínuos, prioridade, custo variável, etc). Porém independentemente disso, a lista do BGG é bem grande e abrangente, e vale uma olhada, principalmente para efeito de identificar os jogos mais importantes, e melhores colocados no ranking geral do BGG, que usam cada uma dessas mecânicas.
Uma vez esclarecido, mesmo que de uma forma muito geral, em que consiste a mecânica de um jogo, segue abaixo uma lista, contendo as principais e mais comuns dessas mecânicas utilizadas, incluindo os jogos mais característicos que aplicam cada uma delas.
01 ROLAMENTO DE DADOS (Dice Rolling)
O rolamento de dados é uma das mecânicas mais simples, funcionando na maioria dos casos, como um recurso auxiliar nos jogos. Como é de conhecimento geral, a rolagem de dados consiste no lançamento de objetos, na sua grande maioria cubos, numerados de “1” a “6”. O resultado do lançamento é o número mostrado na face que fica para cima, após o dado parar
Existem jogos que são baseados quase que totalmente na rolagem de dados, como é o caso do Yahtzee, King’s Gold, Rory’s Story Cubes, entre outros. Além de resolver eventuais confrontos diretos entre os jogadores, como ocorre no WAR, nos wargames, e no King of Tokyo, o rolamento de dados pode ser usado também como parte de uma mecânica mais complexa, como é o caso do role e mova (explicada a seguir), ou da alocação de dados (explicada nos próximos textos).
Essa mecânica é também uma das mais antigas, porque envolve objetos sólidos, que tem uma probabilidade muito maior de resistir à passagem dos séculos. O jogo de dados mais antigo já encontrado depende da fonte que se consulte. Algumas pesquisas apontam como jogo de dados mais antigo encontrado (datado de aproximadamente 3.000 anos a.C.), o da cidade de Shahr-e Sukhteh no atual Irã.
Outros estudiosos, no entanto apontam como o jogo de dados mais antigo aquele achado no sítio arqueológico de Mohendojaro na província de Sinde, no atual Paquistão, na região do Vale do Indo, datado da mesma época.
Por fim, outros estudiosos defendem que o jogo de dados mais antigo é o conjunto de peças, que incluíam dados rudimentares, encontrado nas escavações de Başur Höyük, no sudoeste da Turquia (a datação deste achado é de aproximadamente 5.000 anos a.C.).
Imagem do Google: dados de Başur Höyük (direita) e de Mohendojaro (esquerda)
O problema é que nem sempre dá para dizer categoricamente que aquele objeto encontrado, mesmo sendo um cubo, fosse um dado para jogar, ou um mero objeto ornamental.
Outro fator importante a respeito dos dados, é que eles são utilizados para introduzir alguma aleatoriedade aos jogos, ou como é mais comumente conhecido, o “fator sorte”. Esse é um tema muito polêmico, porque parte significativa dos jogadores de board games modernos abomina totalmente o uso desse “fator sorte”. Eles consideram que quanto maior a presença da aleatoriedade em um jogo, pior ele será. Para contrabalancear isso, alguns jogos modernos, com rolamento de dados, adotam mecanismos de mitigação do fator sorte, para contrabalancear essa aleatoriedade.
Isso tem algum sentido, na medida em que, um jogador melhor pode perder uma partida para um jogador pior, caso esse tenha sorte nos lançamentos e tire número altos e o outro não. Não é tão comum assim que a vitória ou derrota decorra exclusivamente do fator sorte, mas acontece.
Por outro lado, outros jogadores defendem que a aleatoriedade faz parte da vida, e um jogo que exclua totalmente esse fator, não será uma boa representação da realidade. O resultado de uma batalha ou campanha militar, por exemplo, pode ser fortemente influenciado por condições climáticas totalmente imprevisíveis. Isso foi o que ocorreu ao longo de toda a Operação Barbarossa, na 2ª Guerra Mundial. Além de uma feroz resistência russa, que foi fundamental para a vitória, os alemães também enfrentaram o mais rigoroso inverso em décadas. O mesmo se pode dizer de um jogo de fazenda, por exemplo. Na vida real, em um determinado ano a safra do cereal plantado pode ser muito boa ou muito ruim, dependendo das condições climáticas. Qualquer jogo que pretenda representar adequadamente a realidade deve levar essas eventualidades em conta.
Imagem BGG: The Castles of Burgundy
Obviamente um jogo que exclua totalmente a aleatoriedade irá privilegiar sempre a melhor estratégia, e consequentemente o jogador mais forte. Mas em contrapartida ele será falho em termos de representação da vida real, justamente pela exclusão dos imprevistos. Também há que se considerandar o valioso ensinamento do ilustre militar prussiano Marechal Von Molke, de que “nenhum plano de batalha sobrevive ao inimigo”. Assim sendo, um jogador superior, ou uma estratégia melhor, deve ser capaz de lidar com o “imponderável da guerra”, ao menos dentro de certos limites. Portanto, alguma aleatoriedade não é algo tão ruim assim, desde que o jogo não seja só isso.
Basta citar que jogos conceituadíssimos como Castles of Burgundy, Stone Age e As Viagens de Marco Polo, usam rolagem de dados. Por outro lado, quando o fator sorte influi demasiadamente no resultado do jogo, isso diminui o seu valor enquanto experiência lúdica. Tudo se resume a um mero “lance de dados”. Não que isso seja necessariamente ruim, e pode ser até divertido por um breve período. Um exemplo disso é Liar’s Dice, que é um jogo composto basicamente de lance de dados e blefe. Esse é um jogo bem legal, mas que não se imagina que as pessoas vão passar horas jogando.
Jogos que usam a Rolagem de Dados: RPG, Yahtzee, WAR, Catan, Robinson Crusoe, Stone Age, Castles of Burgundy, As Viagens de Marco Polo, Mansions of Madness, Kingsburg, Roll for The Galaxy, King of Tokyo, La Granja, Bora Bora, Age of War, Merlin.
02 ROLE E MOVA (Roll/Spin and Move)
A mecânica Role e Mova consiste no jogador lançar os dados e movimentar suas peças conforme o número obtido. Ela expande um pouco a mecânica anterior, por atrelar a movimentação da peças no tabuleiro ao resultado dos dados, ou seja, são dois elementos. Isso faz com que a mecânica Role e Mova se relacione com jogos um pouco mais complexos que a mera rolagem de dados.
É possível dizer sem sombra de dúvida, que nenhuma outra mecânica representa melhor os chamados jogos de tabuleiro clássicos, do que Role e Mova. Ela está presente em jogos como Clue/Cluedo (nosso Detetive), Monopoly (nosso Banco Imobiliário), Game of Life (nosso Jogo da Vida), Master, Ludo, 221B Baker Street (nosso Scotland Yard), e dos americanos Snakes and Ladders e Candy Land, menos conhecidos por aqui.
Imagem Ludopedia: Detetive / Clue
Essa profunda identificação com os jogos clássicos faz com que a mecânica Role e Mova seja muito mal vista atualmente, não apenas pelos designers, mas também pelo publico em geral. É como se a rolagem de dados fosse vista como algo aceitável, como forma de incluir alguma aleatoriedade no jogo. Isso é muito curioso, porque Rolar e Mover (dois elementos) é uma mecância mais complexa que a Rolagem dos Dados (um único elemento). Porém, condicionar a movimentação das peças à rolagem dos dados, representa aquele algo a mais que torna a aleatoriedade excessiva, daí a sua má fama.
Há que se considerar também que a mecânica Role e Mova, pode acarretar experiências lúdicas muito frustrantes. Uma pessoa jogando Clue pode ter a capacidade dedutiva de um verdadeiro Sherlock Holmes, que isso não lhe adiantará de nada. Se, ao longo da partida, o resultado nos dados for sempre ruim, o jogador não evoluirá adequadamente pelo tabuleiro, dificultando sobremaneira o seu desempenho.
Imagem Ludopedia: Banco Imobiliário / Monopoly
Isso faz com que muitos desprezem, como inferiores, os jogos com essa mecânica, na medida em que não é preciso pensar, mas apenas rolar o dado e andar as casas. Isso não é muito justo, porque ele se aplica apenas a uma pequena parte do jogo (movimentação), que é um interlúdio para as ações legais. Isso acontece por exemplo, com o Clue ou o 221B Baker Street, onde os personagens estão indo de uma sala da casa, ou de uma área da cidade, para outra. Quando elas chegam ao local desejado é que a ação começa, se coleta as pistas e se põem em prática o poder de dedução.
Do mesmo modo, quando alguém joga Monopoly, a movimentação é uma parte mínima do jogo. O que conta mesmo são as decisões gerenciais, no sentido de se vale a pena, ou não, comprar aquela propriedade.
Claro que esses são jogos bastante ultrapassados e hoje em dia já existem muitas alternativas melhores. Mas isso não quer dizer, que esses jogos clássicos se reduzem a uma mera atividade descerebrada de rolar dados e mover as peças. Além disso, apesar de toda essa rejeição, Role e Mova é uma mecânica presente em alguns board games modernos, especialmente os jogos de corrida.
Jogos que usam a Rolagem de Dados: Gamão, Clue/Cluedo, Monopoly, Jogo da Vida, Master, Ludo, 221B Baker Street, Snakes and Ladders, Candy Land, Camel Up, Jamaica, Rallyman GT.
03 ELIMINAÇÃO DE JOGADORES (Player Elimination)
Essa mecânica é “auto-explicativa”. Quando um jogador atinge determinada condição, normalmente a perda de alguns de seus atributo pessoais, como sanidade ou dinheiro, ele é eliminado da partida. Só para esclarecer, vale lembrar que essa mecânica é característica de jogos para três ou mais jogadores. No caso dos jogos para dois jogadores, não existe a eliminação, mas sim a derrota de um dos dois participantes. Quando se joga “Twilight Struggle”, “Gamão”, “7 Wonders Duel”, ou ”Xadrez”, por exemplo, você não elimina, mas sim derrota o seu adversário. Outra coisa interessante sobre a Eliminação de Jogadores, é que em alguns jogos, mesmo que o jogador seja eliminado, ele ainda mantém sua pontuação. Assim, pelo menos em tese, ele ainda pode vencer, como é o caso do Wolly Wars, muito embora isso seja raro.
Essa talvez seja a mecânica mais mal vista dentro do universo dos board games, talvez mais até do que preponderância da sorte. Alguns jogos até utilizam essa mecância, mas essa possibilidade é bem remota e depende de uma quantidade incomum de jogadas ruins mesmo para iniciantes. Esse é o caso do “Age of Steam”, bem como de alguns jogos 18xx, que fazem uso do elemento “falência”, como o “1882”.
Essa verdadeira ojeriza à Eliminação de Jogadores está muito associada a uma característica primordial dos board games, que é justamente a sua função socializante. Como já foi dito por diversas vezes, os board games vão muito além de meros jogos. Eles são uma maneira muito importante e agradável de reunir e conviver com os amigos, de uma forma mais lúdica. Os board games são mais atraentes e mais animados do que uma simples conversa, que inclusive está inserida na experiência dos jogos de tabuleiro.
Imagem BGG: 1882 Assiniboia
A Eliminação de Jogadores é o oposto disso, porque implica que um dos jogadores será retirado do jogo e passará a participar apenas como expectador. Não tem nada mais chato do que isso, com a exceção talvez de jogar um jogo que se odeie, e do qual não se entende nada, apenas para agradar uma amigo, ou ente querido, que adore o jogo. Essa inclusive é uma das grandes críticas aos clássicos WAR e Banco Imobiliário, e um “trauma lúdico” de muita gente. Além das partidas demorarem muito, algumas pessoas ficavam pelo meio do caminho, e tinham de esperar horas, “do lado de fora”, para jogar novamente.
Basta imaginar a situação de algumas pessoas em uma festa, resolverem jogar “Lobisomem”, também conhecido como “Cidade Dorme”. Os jogadores vão sendo eliminados aos poucos, até que haja mais pessoas de fora assistindo, conversando, e bebendo, do que pessoas ainda na partida. Isso não faz o menor sentido do ponto de vista socializante dos jogos.
Por isso, de modo geral, a Eliminação de Jogadores é muito pouco utilizada especialmente nos jogos modernos. Mesmo aqueles que a utilizam, fazem uso também de outras estratégias, para mitigar os efeitos negativos da eliminação precoce. Uma dessas estratégias é estruturar o jogo em turnos, ou rodadas, de modo que a eliminação só ocorra naquela rodada, e não no jogo todo. Isso ocorre em jogos de leilão por exemplo, ou ou mais jogadores focam de fora, mas no próximo pregão estçao dentro. O caso mais emblemático desse recurso é o “Pôquer”, onde o jogador pode inclusive se retirar espontaneamente naquela rodada, caso recebam uma “mão” muito ruim.
Imagem BGG: King of Tokyo
Outra estratégia é utilizar a Eliminação de Jogadores em jogos rápidos. Mesmo que so jogador seja eliminado precocemente, ele não precisa esperar muito tempo para voltar a jogar. Dois exemplos disso são o Coup e o Love Letter.
Apesar de ser uma mecânica clássica, a Eliminação de Jogadores também está presente em alguns jogos modernos, no qual inclusive ela é parte da diversão. Esses são board games menos sérios, de pura diversão descompromissada, para levar na brincadeira e na “zoação” mesmo, como King of Tokyo e Zombicide. No caso do Zombicide, os jogadores eliminados podem assumir o papel dos zumbis. Já no King of Tokyo, os eliminados podem ficar na torcida para que o próximo eliminado seja aquele que os eliminou.
Se uma pessoa estiver jogando qualquer um dos dois jogos, com seriedade suficiente, a ponto de se incomodar de ser eliminado, muito provavelmente ela não entendeu o espírito brincalhão, inerente a esses jogos. Uma invasão zumbi ou monstros, maiores que prédios, arrasando Tóquio, talvez não sejam cenários adequados ao perfil desse jogador. Possivlemente ele gostará de jogosm mais pesados e estratégicos como Twilight Imperium 4, Food Chain Magnate, Projeto Gaia, Lisboa, entre outros.
Jogos que usam a mecânica Eliminação de Jogadores: War, Banco Imobiliário, Jogo da Vida, Coup, King of Tokyo, Zombicide, Love Letter, Room 25, Ultimate Warriorz, Secret Hitler, Lobisomen, Bang, Tsuro, Clank, Eclipse.
04 – Blefar e Apostar (Betting and Bluffing)
Blefar e Apostar é uma mecânica muito antiga, e envolve convencer os adversários que seu “jogo”, ou “mão”, é diferente daquela que realmente é. Um jogador com uma mão ruim, pode “blefar” para convencer os adversário que sua mão é boa e não se deve “apostar” contra ele.
O oposto também ocorre. Um jogador com uma mão boa, pode “blefar” para convencer os adversário que sua mão é ruim, para que eles “apostem” e percam. Nesse caso “apostar” tem um sentido amplo, significando tanto realmente apostar como no poker, quanto disputar um leilão, ou atacar o jogador. Nesse aspecto, a mecânica acaba sendo composta de duas partes. Primeiro se blefa e depois se aposta, ou até mesmo não se aposta, se o outro jogador não cair no blefe e “pagar para ver”.
Nenhum jogo personifica tanto a mecânica Blefar e Apostar, como o Pôquer, e certamente esse é um dos segredos do seu imenso sucesso. Não e à toa que seja é certamente um dos jogos mais jogados, em todo o planeta. Claro que existem outros elementos, inclusive mecânicas que compõem o Pôquer (coleção de componentes e leilão). Mas não há duvida de que a magia do jogo é o blefe, onde nem sempre ganha, quem tem a melhor “mão”. A arte de blefar tem tudo a ver com isso.
Imagem Ludopedia: Mascarade
Entre os jogos modernos, que utilizam essa mecânica Blefar e Apostar, merece destaque, sem sombra de dúvida o “Coup”, que usa e abusa dela. Outro jogo digno de nota e que inclusive lembra bem de leve o “Coup” é o “Mascarade”. Porém, diferentemente do “Coup”, onde o jogador realmente sabe qual é a carta que ele tem, no “Mascarade”, logo no início, as cartas são trocadas. Por isso não é possível saber nem a carta do próprio e nem a dos outros, evidentemente.
Uma das ações possíveis inclusive é olhar a própria carta. Mas logo em seguida, outro jogador pode trocar as cartas, e, com isso, o jogador que olhou sua própria carta, perde sua ação naquele turno. Além disso, a mecânica Blefar e Apostar também é muito comum em jogos com o recurso “jogador-traidor” (“Battlestar Galactica”, “Dead of Winter”, e “The Resistance).
Outro jogo que faz um uso muito interessante da mecânica Blefar e Apostar é o “Sheriff of Notthingham”, que inclusive era originalmente um jogo brasileiro. Esse jogo inicialmente se chamava “Jogo da Fronteira”, e o objetivo dos jogadores envolvia contrabandear itens proibidos, para dentro do país, burlando a fiscalização. Por isso, é perfeitamente compreensível, que o jogo tivesse que mudar de nome. Assim o nome do jogo mundou para “Robin Hood”. O problema é que a alma do jogo continuou sendo o ato de contrabandear mercadorias, burlando a fiscalização do homens do Rei. Desse modo, não fazia muito sentido que ele fosse focado no herói da história, mas sim no seu corrupto vilão, o “Sheriff of Notthingham”. Por isso, esse foi o nome adotado pelo jogo, inclusive no lançamento internacional, e que permanece até hoje.
Imagem Ludopedia: Sheriff of Nottingham
Sem nenhuma dúvida a mecânica Blefar e Apostar estar muito associada a jogos de cartas, até por conta da popularidade quase absoluta do Pôquer. Porém, essa outros jogos de outra natureza e com outros elementos também usam essa mecânica. É o caso, por exemplo, do Lair’s Dice, que usa dados ao invés de cartas. Esse jogo se tornou muito popular, por fazer parte do vídeo game de grande sucesso, “Red Dead Redemption”. Além disso, o Liar’s Dice também aparece em uma cena muito importante do filme “Piratas do Caribe 2: O Baú da Morte”.
No caso dos jogos modernos, a mecânica Blefar e Apostar também aparece, sem estar diretamente associada a cartas. Isso ocorre em jogos em que se utiliza um escudo, para impedir que um adversário saiba quantas peças um jogador decidiu utilizar em sua jogada. Esse e o caso da parte do combate de “Rising Sun”, ou do leilão dos tiles de Isle of Skye.
De forma similar, essa mecânica também aparece em alguns wargames, muito antigos, que utilizavam o recurso de “fog of war”. Esse recurso exigia a participação de um árbitro, que recebia as instruções de movimentação de cada um dos jogadores. Cada jogador só tinha acesso aos movimentos do adversário, quando uma das unidades combatentes, chegava a uma determinada posição no tabuleiro, próxima dos inimigos. Esse recurso possibilitava simular um ataque falso, para fazer o inimigo deslocar suas tropas para proteger um determinado ponto, enfraquecendo justamente o local onde o grosso do ataque efetivamente ocorrerá.
Jogos que usam a mecânica Blefe: Pôquer, Coup, Mascarade, Sheriff of Notthingham, Battlestar Galactica, Wargames com Fog of War, Deception: Murder in Hong Kong, Nosferatu, Saboteur, Rising Sun, Western Legends, Camel Up (2ª Edição), Ca$h’n Guns, Downforce, Liar’s Dice.
05 COLEÇÃO DE COMPONENTES (Set Collection)
05 Coleção de Componentes (Set Collection)
Coleção de Componentes é uma mecânica em que o jogador necessita adquirir um determinado conjunto de elementos, todos relacionados entre si de alguma forma. O melhor exemplo dessa mecânica, mais uma vez é o Pôquer, no qual os jogadores procurem obter as cartas que compõem a “mão” mais alta. Quanto maior a quantidade de cartas iguais, ou em sequência dois tipos de coleção de componentes, mais forte a mão. Se nenhum jogadro não tiver nada, vale a carta mais alta. Depois disso seguem os conjuntos de cartas iguais (uma dupla, duas duplas, uma trinca).
Em seguida vêm cinco cartas em sequência, depois cinco carta de mesmo naipe, uma dupla e uma trinca e uma quadra. Por fim vêm as mãos mais altas, cinco cartas em sequência do mesmo naipe, e a mais alta de todos, uma sequência das cinco maiores cartas com o mesmo naipe. Cada uma dessas “mãos” com exceção da carta mais alta e uma coleção de componentes, que quanto mais difícil de conseguir, mas pontos vale.
Imagem do Google: Pôquer
No Pôquer tradicional, para conseguir uma mão mais forte, o jogador pode trocar uma determinada quantidade de cartas, dentre as cinco que recebe inicialmente. Com isso ele tenta coletar os componentes que melhor se encaixem com aqueles que já possui. Obviamente existem muitas variações do jogo, mas sempre nesse esquema de tentar montar a coleção mais forte. Atualmente a variante mais popular é o Texas Hold’em (cada jogador recebe duas cartas para combiná-las com um conjunto comunitário de 5 cartas abertas). Porém independente do formato o objetivo é sempre o mesmo, ou seja, conseguir a coleção mais forte.
Existem três formas mais comuns de implementar a mecânica de Coleção de Componentes, nas quais cada componente em separado terá valores diferentes, mas sempre inferiores ao conjunto inteiro. A primeira dessas formas é dar valores individuais crescentes aos componentes, que é o que ocorre com as mãos envolvendo cartas iguais no Pôquer. Assim, uma dupla tem um valor, que é menor que uma trinca, que é menor que uma quadra. Em outras palavras, a cada novo componente adicionado à coleção, mais valor ela terá.
A segunda dessas formas é não dar valor algum às cartas até que elas completem o conjunto. Essa forma também é usada no Pôquer, em relação às mãos que envolvem sequências. Desse modo, uma sequência de cartas do mesmo naipe que vá do “Valete” ao “Ás”, acompanhada de um nove de outro naipe, não vale praticamente nada (salvo o “Ás” enquanto carta alta, mas perde para o mais baixo dos pares).
A terceira forma e menos comum é atribuir o mesmo valor a cada componente, sem que ele aumente exponencialmente, conforme aumenta a quantidade de componentes separadamente, até que ele complete um determinado conjunto, quando todos eles passam a valer muito. Essa forma não é utilizada no Pôquer.
Imagem Ludopedia: Bohnanza, Por um Punhado de Feijões
O tipo e quantidade de pontuação que cada conjunto receberá, seja ele composto de itens exatamente iguais ou de itens totalmente diferentes entre si, ou sequenciados de alguma forma, vai depender, daquilo que for estabelecido pelas regras do jogo. Também serão estabelecidas em cada jogo, a forma como o jogador irá obter os componentes para formar o conjuntos. Isso pode ocorrer através da compra de cartas de uma pilha, através de leilão ou da compra direta de um determinado componente de outro jogador. Outra possibilidade e conquistar um determinado localdo mapa, que confira ao conquistador o elemento desejado, para combinmar com aqueles que ele já possui.
Jogos que usam a mecânica Coleção de Componentes: Pôquer, WAR, Stone Age, Terraforming Mars, Ticket to Ride, Splendor, Lords of Waterdeep, Castles of Burgundy, Coloretto, Bohnanza, Hadara, Rá, Sheriff of Notthingham, Great Western Trail, 7 Wonders,
06 MOVIMENTO OCULTO (Hidden Movement)
A mecânica de Movimento Oculto, também chamada de Posicionamento Secreto, como o próprio nome já diz, é aquela uma parte da movimentação do jogo, não é visível para os jogadores. Nesse caso, normalmente ela é utilizada em jogos nos quais há um jogador com um personagem que tenta escapar de um local, enquanto que os demais jogadores tentam impedir que isso ocorra. Dessa maneira, apenas a movimentação do fugitivo está oculta, enquanto que a dos perseguidores é visível para todos, principalmente para o fugitivo, que usará essa vantagem para fugir. Porém, periodicamente o fugitivo tem de revelar aos demais jogadores, qual a sua posição atual, ou em que posição ele estava, algumas rodadas atrás, conforme determinado nas regras do jogo.
Nesse tipo de jogo, que usa a mecânica Movimento oculto de forma mais tradicional, se o fugitivo conseguir escapar, ele ganha a partida, mas se ele for capturado, ou não conseguir fugir, quem vence são os demais jogadores, no papel de perseguidores. Normalmente a captura do fugitivo ocorre quando ele e um dos captores se encontram no mesmo local do tabuleiro.
Imagem Ludopedia: Interpol “Nacional”
No Brasil essa mecânica ficou famosa e popular, após a Grow lançar o jogo Interpol, em 1983, que fez muito sucesso especialmente na época de seu lançamento. O jogo se passa em Londres, onde um jogador (Mister X), que tenta fugir da perseguição dos demais jogadores, que são detetives que tentam capturá-lo. Esse jogo tem uma história curiosa, porque na verdade o nome original dele é Scotland Yard. O problema é que a Grow não poderia usar esse nome, por que quase dez anos antes, em 1975, lançou outro jogo chamado “Scotland Yard”. Nesse jogo, os personagens faziam o papel de Sherlock Holmes, percorrendo a Londres vitoriana, coletando pistas, para solucionar um caso revelado no início da partida. Além de ter sido lançado antes o “Scotland Yard” também fez um sucesso estrondoso, bem maior do que o Interpol, tornando inviável o lançamento deste com seu nome correto.
O interessante é que esse jogo, que nos brasileiros conhecemos como Scotland Yard, também não tinha esse nome originalmente, que na verdade era “221B Baker Street: The Master Detective Game”. Para aquele que não sabem 221b Baker Street era o endereço do fictício detetive Sherlock Holmes. Na época a Grow achou que esse nome não era comercialmente interessante, porque as pessoas certamente sabiam quem era o Sherlock Holmes, mas nem todos associavam o endereço ao personagem, portanto esse título mesmo que original, não era digamos assim “vendável”. Como não existia na época nenhum outro jogo chamado Scotland Yard, esse foi o nome que a Grow decidiu usar nesse seu lançamento.
Imagem Ludopedia: Scotland Yard “Nacional”
A coisa fica ainda mais confusa, porque o jogo Scotland Yard (o nosso Interpol) foi o vencedor do prêmio Spiel des Jahres em 1983, e quando os brasileiros, em geral, começaram a tomar conhecimento desse universo dos board games, (mais ou menos de 2010/2012 em diante), naturalmente eles imaginaram que quem ganhou o prestigiado prêmio alemão foi o “nosso” Scotland Yard, e não o “Scotland Yard Original. Até hoje ainda tem gente que faz esse tipo de confusão. Independente disso, o fato é que todo esse imbróglio revela uma triste verdade, que é o fato das empresas Grow e Estrela, dos anos 70 até os anos 90, adotarem a prática de lançar jogos internacionais de sucesso (WAR/Risk, Clue/Detetive, Monopoly/Banco Imobiliário, Game of Life/Jogo da Vida, etc) com outros nomes, sem pagarem absolutamente nada de licença e nem de direitos autorais.
A própria Grow, fundada por quatro amigos paulistanos, surgiu graças aos lucros de uma edição caseira de um jogo de grande sucesso, o Risk, chamada WAR. Até hoje esse é o carro chefe da empresa. Inclusive o nome GROW surgiu das iniciais de cada um dos amigos, menos o último porque o “W” entrou no lugar do “V”, por razões estéticas. Essa pratica só terminou com a chegada ao Brasil da Hasbro, que é a detentora dos direitos sobre diversos jogos de tabuleiro tradicionais. Inicialmente a Hasbro permitiu o licenciamento de alguns de seus jogos, principalmente para a Estrela, mas posteriormente não renovou esse licenciamento, e o caso já se arrasta na judiciário por mais de uma década.
Imagem Ludopedia: WAR/Risk
Existem também jogos com algumas variantes, em relação a esse modelo mais tradicional de Movimento Oculto, como por exemplo o “Fury of Dracula”, onde o objetivo não é impedir a fuga do vampiro, mas sim impedir que ele finalize a sua trilha de influência. Além disso, esse jogo inclui também regras de combate entre Drácula e seus asseclas, contra os caçadores. Nesse caso, não basta apenas encontra o vampiro, mas fim frustrar seu objetivo.
Outro jogo digno de nota em relação à mecânica Movimento Oculto é o “Last Friday”, que inclusive, assim como “Fury of Dracula”, também teve lançamento nacional. O “Last Friday” é um jogo baseado nos personagens de filmes clássicos de psicopatas assassinos, dos anos 70 e 80, tais como Mike Meyers (Halloween), Freddy Krueger (A Hora do Pesadelo), Leatherface (Massacre da Serra Elétrica) e, evidentemente, como não poderia deixar de ser Jason Voorhees (Sexta-Feira 13), a maior inspiração do jogo.
Diferentemente do que ocorre no Interpol, o objetivo do jogador com Movimento Oculto, não é fugir, mas sim matar cada um dos demais jogadores, e o objetivo dos jogadores, além de sobreviver, é capturar o assassino e impedir que ele mate todos os personagens, ou algum específico, como é o caso do “Predestinado” do Last Friday. Da mesma forma, em determinados momentos o assassino precisa revelar em que local ele está, ou estava, alguns turnos atrás.
Imagem BGG: Last Friday
Outro jogo com uma implementação diferente da mecânica de Movimento Oculto é a do jogo Capitão Sonar. Nesse jogo, ao invés de haver um personagem jogando contra todos os outros, na verdade existem duas equipes adversárias em que cada uma controla o seu próprio submarino e tenta afundar o submarino da outra equipe.
Vale lembrar que a mecânica Movimento Oculto não é nova de forma alguma, sendo utilizada décadas antes do surgimento dos board games modernos. Alguns wargames com movimento oculto são: “Bismarck” de 1962, “Caesar: Epic Battle of Alesia” de 1976, “The Beastlord” de 1979, “Advanced Squad Leader” de 1985, “Duel in the Desert: Rommel’s Campaign in North Africa” de 1986 e “The Far Seas” de 1987.
Alguns teóricos inclusive identificam o recurso “fog of war”, utilizado em alguns wargames ancestrais, de outros séculos até, como um forma de Movimento Oculto. Só que isso é bastante controverso, porque nesse caso não há a necessidade de revelar ao adversário, periodicamente onde estão as suas peças. Isso só ocorre, automaticamente, quando as peças já estão em determinada distância de possível avistamento.
Jogos que usam a mecânica Movimento Oculto: Interpol/Scotland Yard, Fury of Dracula, Last Friday, Advanced Squad Leader, Letters from Whitechapel, Bismarck, The Beastlord, Capitão Sonar, Francis Drake, Survive: Fuga de Atlântida, The Name of The Rose
Por fim, esses são as principais mecânicas de jogos associadas aos jogos de tabuleiro clássicos, e espero que esse texto tenha sido útil para auxiliar os novos jogadores a compreender um pouco melhor esse maravilhoso hobby dos jogos de tabuleiro modernos.
Um forte abraço e boas jogatinas.
Iuri Buscácio
Iuri Buscácio
Latest posts by Iuri Buscácio (see all)
- Axis and Allies – Um Livro, Um Filme, Um Jogo… - 10/12/2024
- Atualização Sim, Mas Sem Perder a Essência - 26/11/2024
- Mansions of Madness – Um Livro, Um Filme, Um Jogo… - 13/11/2024
- Folclore Eslavo e Board Games – Indo Muito Além de The Witcher - 04/11/2024
- HEAT – Um Livro, Um Filme, Um Jogo… - 24/10/2024
essas classificacoes nao existiam antes, mas nao é por isso que nao podemos classificar os jogos antigos segundo as classificacoes novas…
Caro(a) Karol Dek
É exatamente assim que eu penso.
Um forte abraço e boa jogatinas!
Iuri Buscácio
achava que a mecanica do draft tb era uma das principais e mais classicas, e está presente no poker, por exemplo, bem como no Banco Imobiliario e War, ja que em ambos vc pode selecionar cartas e objetivos, ficando com aqueles que preferir
Cara Adriana
Na verdade a ideia mais moderna de draft, em relação ao board games, é aquela que você recebe um conjunto de cartas, do jogador à esquerda, seleciona uma carta para si e passa o resto para o jogador da direita, e assim por diante. Nos jogos que você citou, a pessoa até seleciona uma carta, mas diretamente da mesa ou de uma pilha de compra, sem que ela necessariamente passe por outro jogador anteriormente.
Nesse caso o draft seria uma sofisticação e um desenvolvimento de um tipo de seleção de cartas mais antigos, característica de jogos clássicos.
Só que aí entra uma questão de interpretação, se o funcionamento de um jogo clássico utiliza ou não aquela mecânica moderna. Um exemplo disso é a famosa Alocação de Trabalhadores. Eu já vi no BGG pessoas defendendo que a Controle de Área e Alocação de Trabalhadores não seria mecânicas modernas porque o Diplomacia usa a primeira e o Xadrez usa a segunda, pelo menos de forma rudimentar.
Portanto essa definição do que é moderno e o que é clássico, trata-se de uma questão totalmente aberta à interpretação de cada um. Porém, o que não se pode deixar de constatar, é que tanto o Controle de Área quanto a Alocação de Trabalhadores são mecânicas muito mais relacionadas aos jogos modernos do que aos clássicos.
Um forte abraço e boas jogatinas!
Iuri Buscácio